Por unanimidade, a
Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento a
agravo regimental interposto pelo Estado de São Paulo no Recurso
Extraordinário (RE) 361127, que questiona decisão que determinou a
desapropriação de uma das últimas mansões existentes na Avenida
Paulista. Trata-se da Residência Joaquim Franco de Melo, situada no
número 1.919 da avenida, no centro de São Paulo.
O
casarão, construído em 1905, foi tombado pela Secretaria de Estado da
Cultura em 1992. Em dezembro do mesmo ano, seus proprietários ajuizaram a
ação de desapropriação indireta - ou seja, de transferência da
propriedade para o Estado -, alegando que o tombamento impediu que o
imóvel fosse destinado a projetos imobiliários de grande porte, e
pediram indenização no valor apurado em perícia, mais juros.
A
Justiça paulista julgou a ação procedente, por entender que o
tombamento "aniquilou o valor econômico do bem". A mesma conclusão foi
mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que ressaltou que
o fato de o casarão estar localizado no centro econômico e financeiro
de São Paulo "é fator relevante para a fixação da indenização", devida
não apenas pela limitação do direito de propriedade, mas,
principalmente, pela impossibilidade de se dar ao imóvel a destinação
"natural" naquele endereço.
O estado recorreu ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou provimento a recurso
especial, e, posteriormente, ao STF. O relator, ministro Joaquim
Barbosa, em decisão monocrática, negou seguimento ao Recurso
Extraordinário, daí a interposição do agravo regimental para que a
decisão fosse revista pela Segunda Turma.
Ao
interpor o agravo, o estado alegou a ocorrência de fato novo: a
existência de acordo firmado em 1991 com o Município de São Paulo, no
qual os proprietários teriam concordado com o dever de preservar o
imóvel. Sustentou, ainda, que se tratava de "mero tombamento", que não
implica transferência de propriedade, não cabendo, assim, o pagamento de
indenização sobre o valor total do imóvel.
No
julgamento, o ministro Joaquim Barbosa observou que se trata de disputa
judicial antiga entre proprietários de imóveis na avenida Paulista e o
Estado de SP. Ele afastou a aleação de fato novo, ressaltando que o
suposto acordo não atinge ou modifica o direito dos autores à
indenização pelo tombamento. "Não é qualquer tombamento que dá origem ao
dever de indenizar", afirmou. "É preciso demonstrar que o proprietário
sofre um dano especial, peculiar, no direito de propriedade".
Era de ouro
No
agravo julgado ontem, o ministro Joaquim Barbosa ressaltou que se
tratava de um dos únicos imóveis remanescentes da época de ouro do café
na Avenida Paulista. "É nítida a especialidade do interesse atingido
pelo tombamento", afirmou. A decisão do TJ-SP, a seu ver, demonstrou de
maneira satisfatória o prejuízo aos proprietários. "Não se trata pura e
simplesmente de minúscula restrição ao direito de propriedade, mas de
restrição praticamente absoluta", registrou o TJ, assinalando que o
tombamento do imóvel, cujo terreno poderia ser usado para a construção
de "moderníssimos edifícios" como a maioria dos demais casarões da
Paulista, inviabilizou seu uso e gozo pelos proprietários.
Precedentes
Para
esclarecer a questão, o ministro lembrou duas decisões sobre o tema.
Numa delas (RE 121140), o STF deu provimento a agravo do Município do
Rio de Janeiro num caso envolvendo proprietário de um imóvel residencial
no bairro do Cosme Velho, sujeito a regras específicas de uso devido à
necessidade de preservação do conjunto arquitetônico do bairro. Naquela
ocasião, prevaleceu o entendimento de que o decreto municipal que
transformou o bairro em área de proteção não violou o direito de
propriedade nem extrapolou a competência legislativa do município. "Se
toda uma rua ou bairro é alvo de tombamento, fica muito difícil para o
proprietário de um dos imóveis alegar o prejuízo necessário para a
configuração da desapropriação indireta", assinalou o ministro Joaquim
Barbosa.
Outro caso envolveu a desapropriação da
Casa Modernista, projetada e construída na década de 1920 pelo arquiteto
Gregori Warchavchick (AI 127174), no qual se concedeu a desapropriação
indireta. O relator daquela decisão, ministro Celso de Mello, lembrou
ontem na sessão da Segunda Turma que o tombamento é um instrumento
constitucional (artigo 216, parágrafo 1º) à disposição do Poder Público
para proteção, amparo e preservação do patrimônio cultural brasileiro.
Quando, porém, ele resulta no esvaziamento do conteúdo patrimonial, é
necessário que o Poder Público indenize seu proprietário. "Com o
tombamento da Casa Modernista, os herdeiros do arquiteto ficaram
impossibilitados de usá-la, daí a indenização", assinalou. A Casa hoje é
a sede do Museu da Cidade de São Paulo.
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