* Rodrigo Carneiro Leão Melo
A busca pela celeridade processual e efetividade das decisões judiciais, sem dúvida alguma, vem influenciando, nos últimos tempos, as significativas e importantes mudanças no processo executivo, principalmente, na denominada fase de cumprimento de sentença.
Tais inovações processuais, claramente, visam privilegiar a parte exequente, vencedora da demanda, no sentido de possibilitar que a mesma possa receber da maneira mais rápida e eficaz o quantum debeatur.
No ponto, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, recentemente, por meio do Informativo de Jurisprudência nº 500, divulgou o mais novo entendimento da Colenda Corte Superior acerca da fase de cumprimento de sentença e da aplicação da multa do art. 475-J do CPC, sob o enfoque da "real intenção" da parte executada (devedor) em pagar a condenação ou discutir o crédito executado, senão vejamos: “IMPUGNAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA. INTENÇÃO. PAGAMENTO. Para que não haja a incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC, no percentual de dez por cento sobre o valor da condenação, é necessário que o devedor deposite a quantia devida em juízo, com a finalidade de pagar o seu débito, permitindo ao credor o imediato levantamento do valor. Por outro lado, se o devedor depositar judicialmente a quantia devida com o escopo de garantir o juízo, para que possa discutir o seu débito em sede de impugnação de cumprimento de sentença, não haverá o afastamento da multa, pois o credor não poderá levantar o dinheiro depositado até o deslinde da questão. REsp 1.175.763-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 21/6/2012.”.
Neste caso, como se sabe, a aplicação da multa do art. 475-J do CPC trata-se de uma importante medida coercitiva, a fim de compelir a parte executada a realizar, dentro do prazo legal - e obviamente caso esta entenda que não há qualquer irregularidade na execução - o pagamento do quantum debeatur, sob pena de incidência da multa de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação prevista no caput do referido dispositivo legal.
Ocorre que, consoante às disposições do art. 475-L do CPC, é permitido à parte executada discutir, em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, diversas matérias, dentre elas, a falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia, a inexigibilidade do título ou o excesso de execução.
Ou seja, o próprio ordenamento jurídico permite ao executado, mesmo após o trânsito em julgado do decisum e em fase de cumprimento de sentença, discutir em Juízo a irregularidade da execução aforada em seu desfavor.
Logo, nesse contexto, observa-se que o recente precedente do STJ tolhe claramente o direito da parte executada de discutir as matérias previstas no art. 475-L do CPC, sem que sofra mais uma punição, além da condenação já fixada nos autos.
Nesta seara, - e de acordo com o precedente alhures colacionado – somente não haverá a incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC se, dentro do prazo legal de 15 (quinze) dias da intimação, para pagamento espontâneo, o executado "deposite a quantia devida em juízo, com a finalidade de pagar o seu débito, permitindo ao credor o imediato levantamento do valor".
Ora, se o título executivo padece de eventual irregularidade ou até mesmo de flagrante nulidade e se há expressa autorização legal para que se discuta em Juízo tais pontos, inclusive, durante a fase de cumprimento de sentença, por que motivos a parte executada deve sofrer uma nova punição (multa do art. 475-J do CPC), quando o pagamento é realizado dentro do prazo legal?
Até mesmo porque, consoante jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça, a garantia do juízo é pressuposto para o processamento da impugnação ao cumprimento de sentença, nos termos do art. 475-J, § 1º do CPC, veja-se: “RECURSO ESPECIAL - FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - IMPUGNAÇÃO - GARANTIA DO JUÍZO. INSURGÊNCIA DA EXECUTADA. 1. Violação aos artigos 165, 458, II e 535 do CPC não configurada. Acórdão hostilizado que enfrentou, de modo fundamentado, todos os aspectos essenciais à resolução da lide. 2. A garantia do juízo é pressuposto para o processamento da impugnação ao cumprimento de sentença, nos termos do art. 475-J, § 1º do CPC. "Se o dispositivo - art. 475-J, §1º, do CPC - prevê a impugnação posteriormente à lavratura do auto de penhora e avaliação, é de se concluir pela exigência de garantia do juízo anterior ao oferecimento da impugnação". (REsp 1.195.929/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012) 3. Recurso especial não provido. (REsp 1303508/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2012, DJe 29/06/2012)”
Ou seja, observa-se que o entendimento esposado no Informativo de Jurisprudência nº 500 gera uma enorme e flagrante insegurança jurídica em detrimento da parte executada, bem como uma clara divergência jurisprudencial naquela Corte Superior, visto que, segundo o próprio entendimento do STJ, a garantia do juízo é pressuposto para o processamento da impugnação ao cumprimento de sentença. Dessa forma, uma vez permitido o levantamento da quantia executada em favor da parte exequente, o juízo não estará mais devidamente garantido, de modo que a impugnação ao cumprimento de sentença não poderá ser devidamente processada e julgada, por falta de pressuposto.
Além disso, inegável ainda o risco exposto à parte executada, a partir do momento que, uma vez liberado o depósito em favor da parte exequente, aquela possivelmente não conseguirá resgatar o montante levantado, posteriormente, no caso de procedência da impugnação ao cumprimento de sentença.
Diante disso, constatado algum vício na execução do julgado, deve sim a parte exequente oferecer a competente impugnação ao cumprimento de sentença, obviamente, devidamente garantida, mediante o regular depósito judicial do valor executado, já que se trata de pressuposto para o processamento da referida medida, sendo, por sua vez, eventual aplicação de multa do art. 475-J do CPC medida totalmente descabida, arbitrária e violadora do direito à ampla defesa da parte executada.
É mister destacar que o próprio Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado, já se manifestou acerca da impossibilidade de incidência da aludida multa, quando o pagamento é realizado dentro do prazo legal do art. 475-J do CPC, senão vejamos: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. TELECOM. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. 1. Tendo a empresa recolhido, no prazo legal de 15 dias, após a efetiva intimação por meio de seu advogado, a quantia declinada pelo credor, afigura-se infundado o pleito de manutenção da multa prevista no art. 475-J. 2. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento. (EDcl no Ag 1384444/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011)”
Portanto, o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça - com a maxima venia - atinge como um petardo o direito à ampla defesa da parte exequente em fase de cumprimento de sentença, bem como coloca o credor numa posição de extrema vantagem, pois, julgada improcedente a aludida impugnação, o exequente fará jus não só à multa, como também aos rendimentos que o valor já depositado terá, quando do seu levantamento, eis que, enquanto depositado, o dinheiro continua rendendo. Veja-se também que a afronta ao direito à ampla defesa mostra-se bastante evidente, na medida em que no próprio Código de Processo Civil já existe previsão legal de aplicação de multa ao devedor, em caso de procrastinação, como, por exemplo, o art. 600, II, c/c art. 601 do mencionado diploma, o que reforça mais ainda a ilegalidade/arbitrariedade do atual entendimento do STJ acerca da aplicação da multa do art. 475-J do CPC.
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* Rodrigo Carneiro Leão Melo é advogado especialista em Direito Processual Civil, do setor Contencioso do escritório Siqueira Castro Advogados, em Pernambuco.