Por
Gustavo Rabay
(Doutor em
Direito Constitucional (UnB), Vice-Diretor da ESA-PB, Professor da
UFPB, da ESMA e da Escuela Judicial de América Latina)
UFPB, da ESMA e da Escuela Judicial de América Latina)
Wilson Belchior
(Advogado, Membro da CNSA do CFOAB e Presidente da CSA da OAB/PB e
Especialista em Direito Processual Civil - UECE)
Especialista em Direito Processual Civil - UECE)
Adriano Santos Mello
(Advogado)
Em outubro do ano passado, o Supremo Tribunal
Federal resolveu
definitivamente a questão da obrigatoriedade do Exame da Ordem dos
Advogados do Brasil, considerando-o perfeitamente constitucional. Isto significa
que o único caminho para um bacharel em Direito ser advogado hoje é sendo
aprovado no referido certame.
definitivamente a questão da obrigatoriedade do Exame da Ordem dos
Advogados do Brasil, considerando-o perfeitamente constitucional. Isto significa
que o único caminho para um bacharel em Direito ser advogado hoje é sendo
aprovado no referido certame.
Antes da decisão, a discussão crescia na mesma medida em que proliferavam
novos cursos de Direito em todos os lugares do país, incluindo aqueles por meio
eletrônico ou tele-presencial. Os críticos do Exame arregimentavam partidários
para sua causa entre a massa de acadêmicos com a promessa de poder
exercer a advocacia sem fazer o Exame. Boa parte destes, seduzidos com a
possibilidade, encampava a ideia sem qualquer ponderação sobre o assunto –
erro imperdoável para futuros juristas.
Formalmente, apontava-se especialmente ofensa ao livre exercício das
profissões, constitucionalmente consagrado. Argumentava-se que o diploma
seria o documento suficiente para o desempenho da advocacia e que,
comparando com outras carreiras sem exame obrigatório análogo, sua exigência
seria aviltante à dignidade da pessoa humana.
Em resposta, vozes abalizadas defendiam o status diferenciado da advocacia
em relação a outras carreiras liberais, igualmente previsto na Carta de 1988, e
laconicamente lembravam que esta, no mesmo dispositivo em que consagra o
livre exercício profissional, submete-o às exigências que a lei fizer – no caso, o
Estatuto da Advocacia, ao prever a aprovação no Exame como requisito para
inscrição nos quadros da Ordem.
O embate acima, técnico, foi resolvido pelo STF ao fazer valer para todos o
entendimento aplicado no caso de outubro, pelo mecanismo da repercussão
geral. A questão política, no entanto, continua com argumentos não tão nobres
quanto os da técnica jurídica. Alega-se que a motivação para a mantença da
obrigatoriedade do Exame é de cunho econômico, dados os altos valores
envolvidos em sua realização: são apostilas, resumos (infelizmente quase nunca
livros), taxas de inscrição creditadas para a OAB e, principalmente, os cursinhos
preparatórios. Somado a isto, destacados membros do Judiciário, da Advocacia
e de outras carreiras jurídicas não gostariam de perder o que ganham como
professores dos formandos do curso de Direito.
Há, portanto, necessidade de um novo round nesta discussão, apesar de
superada a questão legalista – o que é extremamente saudável para a
democracia. O Exame foi validado e, com ele, todos os bons valores que
protege. Esta etapa agora é de conscientização, para que não paire sobre nós
a sombra do analfabeto político de Bertold Brecht.
A Advocacia é uma carreira duplamente nobre. Em primeiro lugar, pela missão
que lhe cabe de defesa da Justiça, da Constituição Federal e dos valores
abarcados por estas, com destaque para liberdade e dignidade – esta última
que, tratada como princípio da moda, vê sua importância pulverizada pelo
excesso de uso. Em segundo, pela sua luta na construção da democracia.
Historicamente, quando engessados Legislativo e Judiciário, coube à
Advocacia, livre e aguerrida, levantar a voz em defesa da sociedade. Em
reconhecimento, a constituinte de 1988, momento pelo qual o povo brasileiro
escreveu seu nome na História do Direito, atribuiu-lhe status de função
essencial à justiça – com este vocábulo remetendo tanto ao Poder Judiciário
quanto ao ideal metafísico do justo.
Paralelamente, temos a questão da educação. Se, de um lado, é positivo o
aumento do acesso ao ensino superior, de outro, seu crescimento
descontrolado – capitaneado flagrantemente pelos cursos de Direito – produz
fornadas e mais fornadas de profissionais despreparados. Idealmente, nosso
país deverá estabelecer um mínimo aceitável através de mecanismos como o
ENADE e respectivas avaliações do MEC. Até lá, o Exame faz as vezes de
controle de qualidade.
Importante ressaltar que o diploma de bacharel não se confunde com diploma
de “advogado”: o curso de Direito dá margem a várias carreiras jurídicas, cada
uma com sua peculiaridade profissional. O Exame é exigido para a Advocacia e
para nenhuma outra. É possível, por exemplo, tornar-se magistrado sem nunca
ter sido advogado, bastando comprovar três anos de experiência jurídica em
outras profissões correlatas. Ainda, entre os três atores jurídicos mais
destacados, quais sejam, juízes, promotores e advogados, não há hierarquia,
sendo todos necessários para a realização da justiça. Aceitando, para os dois
primeiros, concursos dificílimos, qual seria o desvalor proporcional do advogado
a tornar desnecessário o Exame?
Neste panorama, tal como asseverado pelos Ministros do STF, a Advocacia é
um múnus público cujo exercício transcende o plano individual e afeta a
coletividade, devendo sofrer controle repressivo pelos Tribunais de Ética e
Disciplina da OAB e realizar, sim, uma purga preventiva, para que seus quadros
sejam integrados por pessoas suficientemente capazes.
O argumento econômico distorce o quadro de “aquecimento” do mercado de
cursos preparatórios quando vincula a mantença desta situação à existência do
Exame. Repita-se: este se sustenta com base em motivos teóricos e concretos
comentados acima e não em interesses espúrios. Desejando-se uma menor
necessidade de cursinhos, cobre-se uma melhor qualidade de ensino; se há
magistrados, promotores ou outros profissionais com limitações funcionais
exercendo indevidamente o magistério, que se reclame junto ao Conselho
Nacional de Justiça, do Ministério Público ou órgão análogo competente; se não
se quer gastar tanto com livros e códigos rapidamente obsoletos, exija-se mais
seriedade e mais apuro dos legisladores na feitura de nossas leis.
De outro modo, não se vincule ao Exame o efeito de uma conjuntura perversa,
quando, na verdade, este contribui é para a reversão do quadro. Agora, os
novos acadêmicos de Direito, cientes da obrigatoriedade do Exame, se forem
previdentes, deverão se comprometer com os estudos, de modo a não precisar
dispender gastos às portas da aferição constitucional de seu aproveitamento
nos anos de faculdade.
A OAB, por seu Conselho Federal e suas seccionais, é comprometida com a
justiça, com a Constituição Federal e com a defesa dos ideais da sociedade.
Vencida a batalha da constitucionalidade, continua a guerra para que a
Advocacia sempre tenha muito a contribuir, tal como no passado, com a
construção de nosso belo país, e para que ninguém alegue não ouvir, não falar
e não participar de acontecimentos políticos tão importantes quanto a
confirmação do Exame da Ordem.
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