domingo, 12 de agosto de 2012

DIA DOS PAIS: Os Filhos Crescem



"Há um período em que os pais
vão ficando órfãos
de seus próprios filhos.
É que as crianças crescem
independentes de nós,
como árvores tagarelas
e pássaros estabanados.
Crescem sem pedir licença à vida.
Crescem com uma estridência alegre e,
às vezes, com alardeada arrogância.
Mas não crescem todos os dias,
de igual maneira, crescem de repente.
Um dia, sentam-se perto de você
e dizem uma frase com tal maturidade
que você sente que não pode mais
trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo
aquela pessoinha
que você não percebeu?
Cadê a pazinha de brincar na areia,
as festinhas de aniversário
com palhaços
e o primeiro uniforme do maternal?
A criança está crescendo
num ritual de obediência orgânica
e desobediência civil.
E você está agora ali,
na porta da discoteca,
esperando que ela não apenas cresça,
mas apareça!
Ali estão muitos pais ao volante,
esperando que eles saiam esfuziantes
sobre patins e cabelos longos, soltos.
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas,
lá estão nossos filhos
com o uniforme de sua geração:
incômodas mochilas
da moda nos ombros.
Ali estamos,
com os cabelos esbranquiçados.
Esses são os filhos que conseguimos
gerar e amar, apesar dos golpes
dos ventos, das colheitas,
das notícias, e da ditadura das horas.
E eles crescem meio amestrados,
observando e aprendendo
com nossos acertos e erros.
Principalmente com os erros
que esperamos que não repitam.
Há um período em que os pais
vão ficando um pouco órfãos dos próprios filhos.
Não mais os pegaremos nas portas
das discotecas e das festas.
Passou o tempo do ballet, do inglês,
da natação e do judô.
Saíram do banco de trás
e passaram para o volante
de suas próprias vidas.
Deveríamos ter ido mais à cama
deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma
respirando conversas
e confidências entre os lençóis da infância,
e os adolescentes cobertores
daquele quarto cheio de adesivos,
posters, agendas coloridas
e discos ensurdecedores.
Não os levamos suficientemente
ao Playcenter, ao shopping,
não lhes demos suficientes
hambúrgueres e cocas,
não lhes compramos todos os sorvetes
e roupas que gostaríamos de ter comprado.
Eles cresceram sem que esgotássemos
neles todo o nosso afeto.
No princípio, subiam a serra
ou iam à casa de praia entre embrulhos,
bolachas, engarrafamentos,
natais, páscoas, piscina e amiguinhos.
Sim, havia as brigas dentro do carro,
a disputa pela janela,
os pedidos de chicletes
e cantorias sem fim.
Depois chegou o tempo
em que viajar com os pais
começou a ser um esforço,
um sofrimento,
pois era impossível deixar a turma
a os primeiros namorados.
Os pais ficaram exilados dos filhos.
Tinham a solidão
que sempre desejaram,
mas, de repente,
morriam de saudades daquelas "pestes".
Chega o momento em
que só nos resta ficar
de longe torcendo e rezando muito
(nessa hora, se a gente tinha
desaprendido, reaprende a rezar)
para que eles acertem
nas escolhas em busca de felicidade.
E que a conquistem do modo
mais completo possível.
O jeito é esperar:
qualquer hora podem nos dar netos.
O neto é a hora do carinho
ocioso e estocado,
não exercido nos próprios filhos,
e que não pode morrer conosco.
Por isso os avós são tão desmesurados
e distribuem
tão incontrolável carinho.
Os netos são a última
oportunidade de reeditar o nosso afeto.
Por isso é necessário
fazer alguma coisa a mais,
antes que eles cresçam."

Affonso Romano de Sant'Anna

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